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sbado, 20 de abril de 2024
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195 mil capixabas não sabem ler nem escrever

195 mil capixabas não sabem ler nem escrever

Olhar para a fachada de uma loja, para o letreiro de um ônibus ou para esta página de jornal e não entender nenhuma palavra. O que parece impensável para muitos é a realidade vivida todos os dias por 195 mil pessoas no Espírito Santo (o equivalente a 6,2% da população), que em 2016 não sabiam ler e escrever. Os dados foram revelados ontem pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua sobre Educação (Pnad).

No Brasil, o número de analfabetos é de 11,8 milhões (7,2% do total de habitantes). Apesar de abaixo da média do país, o Estado acompanha uma outra tendência nacional, na qual pretos e pardos – definição de cor e de raça adotada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – são os principais afetados pela falta de escolaridade.

A taxa de analfabetismo no país entre pretos e pardos é de 9,9%, mais de que o dobro da de pessoas brancas (4,2%). Por aqui, pretos e pardos somam 126 mil nessa situação, enquanto os brancos são 69 mil – uma diferença de 57 mil. Como o IBGE ampliou a cobertura da Pnad em relação às pesquisas anteriores, não é possível comparar os dados com os de outros anos.

É preciso que se adote um modelo de gestão que ouça as comunidades e os educadores

Cleonara Schwartz, doutora em Educação

Dos 195 mil analfabetos do Estado, 179 mil estão concentrados na faixa etária dos 40 anos em diante. Especificamente em relação aos pretos e pardos, são 113 mil nessa mesma faixa. Para a doutora em Educação e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Cleonara Schwartz, o dado evidencia uma histórica falta de políticas públicas consistentes na educação, que continua no que diz respeito à Educação de Jovens e Adultos (EJA).

“O governo estadual fez uma remodelagem no EJA, tornando-o semi-presencial ou à distância. Essas pessoas precisam de políticas mais efetivas para garantir seu acesso e permanência nas escolas, pois é impossível alfabetizar à distância.”

POUCO ESTUDO

Além do analfabetismo, a baixa escolaridade também preocupa. Segundo a Pnad, o número médio de anos de estudo da população no Estado é oito anos, o equivalente ao ensino fundamental incompleto. No recorte por raça, a desigualdade se apresenta novamente: enquanto pretos e pardos estudam por, em média, oito anos, brancos estudam por nove.

Em relação aos níveis de escolaridade, 50,8% dos capixabas não ultrapassou o ensino fundamental, sendo que 10,8% declararam-se sem instrução, 31,1% não concluíram o fundamental e 8,9% o concluíram.

Para Cleonara, o fato de grande parte dos estudantes não alcançarem o ensino médio ou abandoná-lo trata-se, principalmente, da dificuldade de permanência nas instituições de ensino.

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“Quero continuar estudando para crescer profissionalmente, e biologia é uma área com a qual eu me identifico muito” – Matheus Fernandes, 18 anos
Foto: Carlos Alberto Silva

“Na última década, temos percebido ações para ampliar o acesso dos jovens à educação. Mas também temos visto turnos de escolas regulares sendo fechados para que as de tempo integral sejam absorvidas. É preciso considerar que o jovem que ingressa cedo no mercado de trabalho não consegue estudar em tempo integral. A evasão é um problema histórico que as atuais políticas não deram conta de frear”, diz ela, que conclui:

“Uma escola atrativa não é apenas a que investe em tecnologia. É a que atende os anseios da população. Por isso, é preciso que se adote um modelo de gestão democrática, que ouça as comunidades e os educadores.”

FUTURO PROMISSOR

O secretário de Estado de Educação, Haroldo Rocha, afirma que o desenvolvimento de novas políticas, como o estabelecimento dos planos de educação em nível nacional, estadual e municipal, poderão garantir a redução das taxas de analfabetismo e de evasão escolar.

Para ele, o investimento na qualidade dos primeiros anos do ensino fundamental é uma das prioridades. Por isso, cita o Pacto pela Aprendizagem, que visa unir ações de Estado e municípios para a promoção de ações de alfabetização. Já para o ensino médio, reforça a importância do Escola Viva. “É um modelo de escola mais atrativo para os jovens.”

Jovens de 18 a 24 anos são o retrato da “geração nem-nem”

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“Em Pinheiros não encontramos oportunidades. Por isso, estou de novo em Vitória, ficando na casa de amigos para poder procurar um emprego” – Bruno Barreto, 21 anos
Foto: Fernando Madeira

Sem perspectivas e desestimulada, uma grande parcela de jovens integra o chamado grupo “nem-nem”, porque já não estuda e também está fora do mercado de trabalho. A pesquisa divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que, no Espírito Santo, eles já passam dos 200 mil.

O problema maior é identificado na faixa dos 18 aos 24 anos, na qual 109 mil jovens do Estado aparecem, seguido do grupo de 25 a 29 anos, com 73 mil pessoas sem ocupação.

Nesse contexto, encontra-se Bruno Barreto que, aos 21 anos, não estuda nem trabalha. Em seu caso, não por falta de vontade, mas de condições de se manter em uma cidade longe da família para fazer faculdade.

No município de Pinheiros, no Norte do Espírito Santo, onde residem seus familiares, Bruno disse que não há expectativas para um futuro promissor e, agora, tenta a sorte em Vitória. Ele já tentou fazer um curso superior na Capital antes, mas teve que desistir por falta de recursos financeiros.

O jovem também se encaixa no perfil da pesquisa que, por cor ou raça, revela que os pretos e pardos são a maioria dos “nem-nem”. Nesse grupo, 144 mil estão fora da escola e não têm uma ocupação profissional. Entre as pessoas que se declararam brancas, são 56 mil.

Morador do centro de Vitória, Matheus Fernandes, de 18 anos, é outro jovem que encara essa realidade. Mas, para ele, é apenas uma fase de transição, pois já pretende fazer faculdade de Biologia.

“Quero continuar estudando e quero entrar no mercado de trabalho para conseguir ganhar dinheiro e ser independente financeiramente”, conta.

 

Já no recorte por sexo, as mulheres estão em desvantagem. O público feminino representa quase o dobro do número de homens entre os “nem-nem”: são 130 mil mulheres sem trabalhar e sem estudar, contra 72 mil jovens do sexo masculino nesse mesmo cenário.

SOCIAL

Na opinião de Cleonara Schwartz, professora doutora em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), o resultado da pesquisa do IBGE revela uma problemática social.

“Não se pode buscar explicações para isso olhando apenas para o processo educacional, pois isso ocorre num contexto social. É preciso entender que os jovens que não estudam e que não trabalham estão inseridos em um contexto social maior, que os está impedindo de se interessar por um futuro”, ressalta.

Na avaliação da educadora, diante desse cenário, são necessárias várias intervenções. “Aí entram as políticas sociais e de geração de emprego. É preciso pensar em boas condições de acesso à saúde, ao lazer, à educação, à cultura, em tudo que dê perspectiva de futuro a esses jovens. Assim, a escola, bem como o mercado de trabalho, vão ser mais atrativos do que o que está fora deles”, ressalta Cleonara.

“E políticas que garantam a empregabilidade de pais e filhos também são muito importantes”, concluiu a professora da Ufes.

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Gazeta Online